29 de jun. de 2018

Entrevista: Williman Oliveira


Você que já comandou as categorias de base do América tem explicação para a saída de jogadores que depois são aproveitados por outras equipes? 
Fraiman, passei 9 meses na base, aprendi muito e percebi que infelizmente o América vem há muitos anos "tirando leite de pedra" para manter a estrutura de futebol de base. Outros clubes pelo país investem e constroem Centros de Formação de Futebol de Base. Aqui tudo é custo e caro. Nossos garotos têm pouquíssima rodagem desde o sub-15 ao sub-20. Essa falta de competitividade influi diretamente no aproveitamento técnico e físico para chegar ao profissional. São sempre considerados verdes, sem pegada pra aguentar a pressão imediatista que o futebol profissional exige. Contraditório na prática, basta lembrar a ótima partida de Ewerton, que na falta de um goleiro fechou o gol em um jogo no estadual, e Judson, atualmente no Avaí/SC, que tomou a posição em jogos contra o Vasco e Flamengo na Copa do Brasil/2014. Eles entraram por não ter outro e nunca por acreditarem em seus potenciais. Você tem um time profissional sempre brigando para não cair de série ou precisando sair de crises intermináveis. A direção de futebol não tem peito de apostar nos meninos da casa. Daí ou dispensa alegando poucos recursos financeiros para mantê-los ou tenta emprestá-los na maioria das vezes para clubes de menor expressão, onde jogam pouco e sofrem ainda mais com as condições oferecidas. Além disso, técnicos com a "corda no pescoço" trazem um caminhão de jogadores, em via de regra. Alguns garotos, mesmo com todas as dificuldades e "ajuda” de empresários que acreditam bem mais que o clube, acabam dando a volta por cima e se firmam em outros clubes já com o amadurecimento necessário para assumir a posição de atleta de futebol. Ou seja: preparamos com sangue e suor para que outros gozem do atleta de graça na maioria das vezes. Falta planejamento, coordenação e, principalmente, investimento financeiro para que se tenha continuidade ou se faça um trabalho com objetivos e metas para benefício do clube. Em resumo, os garotos "escorregam entre os dedos" do clube que não os enxergam como promessas e sim como custo, projeto caro. Acabam deixando o clube e quando vamos perceber estão, por exemplo, no Porto de Portugal sendo artilheiro como Soares, o velho e bom Tiquinho. 

2. O que você sabe sobre o atacante Denilson? 
Quando cheguei na base do clube foi justamente numa crise terrível com a categoria do sub 20. Cheguei em 2015 pra ajudar a Walmir Nunes (Diretor da Base), a pedido do então presidente Hermano Morais, que cobria o mandato tampão pela ausência ex-presidente Gustavo de Carvalho. Walmir Nunes, da noite para o dia, trocou o treinador Romildo, do Sub-20, e trouxe Berguinho e mais doze jogadores do Cruzeiro de Macaíba. Eles conquistaram um torneio metropolitano e de quebra fizeram um amistoso contra o profissional do América, que terminou empatado. Com isso, se credenciaram a serem contratados pelo Diretor de Base. Essa mudança não foi bem administrada e findou num racha delicado entre atletas e comissão técnica. Em seguida, Walmir Nunes "abandonou o barco", depois de levar uma goleada do Abc no estadual, quando o clima ficou terrível. A geração Sub-20 estava comprometida. Foi então que resolvi dar uma atenção ao Sub-17, que já jogava junto desde o Sub-15 e ganhava tudo. Desse time surgiu Anthony, Renato, Leandro, Judson, Júlio Cesar e Denilson. Era momento de trabalhar e coloca esse grupo em atividades para não perder o crescimento técnico. Viajamos para a Copa do Nordeste com o apoio de conselheiros e da própria FNF, que ajudou no custeio. O time tinha seis titulares do Sub-17 e os demais eram do Sub-20. Denílson foi observado pelo Internacional/RS e quase foi fechada uma parceria, mas preferimos segurar o jogador para se juntar ao profissional na temporada seguinte. Ele ainda ficou quinze dias no Palmeiras/SP, onde teve ótima avaliação, mas não ficou. Fraiman, Denilson é um atacante matador com extrema habilidade e frieza na frente do gol. Foi artilheiro da Copa Natal, que contou com a participação de Palmeiras/SP, Sport/PE, Vitoria/BA. Foi profissionalizado junto com os outros nomes citados e quando Beto Santos assumiu parou ali na base. Nada pude fazer. Não acompanhei o garoto que todos sabiam que era promissor, ainda mais numa posição tão escassa no país como a de centroavante, matador de área. Depois, eu soube que haviam simplesmente dispensado Denilson. Então, o Santa Cruz de Natal, que sabe como ninguém garimpar talentos, recebeu de mão beijada nossa revelação. "Perdemos pelo pé", como se diz. Ele deu show no Estadual e agora está fazendo a diferença no Campinense. 

3. Existe a possibilidade do jogador ser descartado propositadamente para posteriormente aparecer vinculado a algum empresário? 
Não acredito nisso. O problema é a falta de critérios técnicos e financeiro. Agora, como nossa base não tem um RH [Recursos Humanos] exclusivo, não tenho dúvida que atletas entram e saem do clube sem nunca ter sido feita uma ficha de cadastro. O craque desaparece fácil. Com o acompanhamento muito precário, o craque vaza com proposta tentadoras para garotos sonhadores, promessas de testes em grandes clubes pelo Brasil. Existe um assédio que pela fragilidade o clube não tem como administrar. Não se cria vínculo e sem esse vínculo o garoto vira uma presa fácil. 

4. Jogador da base é para ser aproveitado no time principal ou negociado? 
Fraiman, base de futebol em qualquer clube existe sim o interesse de revelar para uso próprio e assim diminuir custos com contratações, mas acredito que o modelo para que isso aconteça está equivocado. Quando fechamos parcerias com grandes clubes formadores é para justamente dar bagagem e se lá não render os dividendos que se espera pelo menos preparamos para jogar no profissional. Exemplo é Judson, volante que passou nove meses no Palmeiras. Em São Paulo, ele jogou o Estadual, Copa do Brasil e torneios na Europa. Voltou um jogador mais preparado. Porém, se pudéssemos garimpar atletas e colocá-los em grandes vitrines, mesmo com 50% dos direitos para o América, esse tipo negócio poderia ajudar muito no retorno do investimento na base. A bem da verdade, quando isso acontece o futebol profissional consome esse resultado financeiro. Em resumo, deve existir um equilíbrio, mas o garimpo de craques precisa ser mais eficiente. 

5. Quais os pontos positivos e negativos da estrutura das bases do América? 
A marca do clube ainda é muito forte, a camisa desse clube ainda é o sonho de muitos jovens. Uma boa organização com profissionais capacitados e envolvidos com o projeto não tenha dúvida que teríamos como mudar esse cenário e dar certo. Clubes pelo país acreditam na capacidade do América em garimpar e de revelar bons valores, mesmo sabendo da dificuldade financeira. Temos muitos concorrentes na nossa cidade, núcleos do Cruzeiro/MG, Grêmio/RS, Santos/SP, Sport/PE e até do Milan da Itália. Então, temos que ser mais eficientes no garimpo no interior do estado e montar uma estrutura de alojamento onde os garotos tenham suporte psicológico, educacional, alimentação e nutrição esportiva para o seu desenvolvimento. Tudo isso com mais competitividade, pois sem jogar e só treinando a motivação vai a zero. O ponto negativo é quando o trabalho está sendo bem feito e não existe continuísmo. Lembro que na época de Leonardo Bezerra os coordenadores eram Luizinho Lopes e Leandro Sena, trabalho que vinha numa crescente com ótimas condições de revelação. Depois assume o conselheiro Walmir Nunes com outra filosofia. Houve uma interrupção do trabalho que estava sendo feito. Posteriormente, com a saída de Walmir Nunes eu assumi as categorias de base e busquei retomar o perfil que Leonardo Bezerra tinha deixado. Fechei ótimas parcerias com outros clubes. Com a posse de Beto Santos, mudou tudo de novo sem dar continuidade aos bons resultados, mesmo com toda boa vontade do conselheiro Álvaro Gouveia. As crises no futebol profissional respingam negativamente nas bases. A estrutura física precisa recomeçar do zero. Precisamos de profissionais também, mais preparados e antenados com o que se pratica com as exigências para que o clube se torne de verdade um clube formador reconhecido pela CBF. Infelizmente, hoje não teríamos a mínima condição de conseguir essa selo de qualidade. Estamos a anos-luz de um departamento formação de atletas de futebol. Triste com tudo isso e hoje só lamento. Esse é meu sentimento como americano que vi nas bases os valores mais puros do futebol. Estão lá os sonhos não só do garoto, mas de uma família. 

6. O que você sabe sobre os jogadores das bases que foram negociados pelo América? 
Estou fora das bases desde a saída de Hermano Morais. O que sei, até porque participei diretamente da parceria com o Fluminense, foi sobre a negociação do atleta Renato, meia do Sub-17. O time carioca pagou 150 mil reais e o América manteve ainda 50% dos direitos federativos. Se amanhã o Fluminense vendê-lo por 10 milhões a metade será do América. Detalhe: o negócio foi feito de clube para clube, sem a participação de empresário. Poderíamos fazer mais negócios assim, mas infelizmente se não há investimento em competitividade nas bases os garotos não são vistos e quem não é visto não é lembrado. Como estou fora do clube não sei como se deram ou foram feitas as demais dispensas ou negociações com os garotos do América. 

7. Qual a parcela de culpa da FNF quando promove campeonatos curtos? 
Não vejo a FNF como vilã por não fazer mais competições ou porque os torneios são curtos demais. Acho que o clube deveria ter uma linha de investimento para competições pelo pais. O Sport de Recife investe 900 mil mês com suas bases para participar de torneios nacionais. O Palmeiras 1,5 milhão mês. Claro que isso para a nossa realidade seria um sonho, mas poderíamos nos unir com o futebol paraibano e fazermos bons jogos e torneios o ano todo. Isso não acontece porque o clube não tem investimento e nem a federação suporta bancar todos os clubes do Sub-15 ao 19. Fica a dica para essa parceria com as federações mais próximas, onde os clubes de Natal como America e Abc possam jogar mais vezes na temporada. Isso sim a FNF poderia criar um novo modelo de competitividade. Agora depende dos gestores dos clubes que levem propostas, ideias em busca de solucionar esse vazio de datas de jogos das categorias de base, além de melhores campos para jogos.
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